Cultura, memória e direitos: Saiba como Maria Marighella pretende pautar sua estreia na CMS
Você pode não ser um exímio conhecedor das entranhas da história brasileira ou baiana, mas é praticamente certo já ter ouvido ou lido qualquer referência à Marighella. O sobrenome do político, escritor e um dos principais organizadores da luta contra a ditadura militar (1964-1985) acaba de regressar ao dia a dia da política soteropolitana. Pelos próximos quatro anos, a Câmara Municipal de Salvador terá a presença de Maria Marighella, vereadora eleita pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no último domingo (15).
O sobrenome anuncia de longe a relação familiar-afetiva com aquele cuja vida foi atravessada pelo seu tempo e, por isso, está marcada nas páginas da história. Ao título de neta de Marighella, Maria, em suas próprias palavras, acrescenta: “Soteropolitana, atriz, mãe de Zeca e Bento, ativista da cultura, que pelas urgências do tempo, pelas reivindicações políticas e crises deste mesmo tempo, me coloco à frente do desafio da vida pública e somo, junto com outras pessoas, a responsabilidade de fundamentar uma movimentação cidadã, coletiva, com o propósito de organizar aqueles que estão desorganizados e fazer a ocupação da política institucional, entendendo a urgência desse movimento”.
Vitoriosa em sua primeira disputa no campo da política partidária, a proposta de mandato liderada por Maria Marighella somou o voto de confiança de 4.837 soteropolitanos, e chega ao Legislativo municipal com agendas bem definidas. É neste rol que a cultura irrompe como bandeira prioritária, mas não única.
Conceituada para além das manifestações artísticas limitadas ao turismo ou ao entretenimento, a cultura é tomada como a construção e conformação de modos de vida, e, a partir de suas “transversalidades a outros direitos”, deságua em eixos como “a luta por educação, direito à cidade, feminismos, antirracismo, as infâncias, as juventudes, as pautas LGBTQIA+”. Há mais uma pauta que a vereadora eleita faz questão de reafirmar por ser “muito forte” para ela “como neta de Marighella”, que é a relação “memória, justiça e verdade”.
“A cultura é a bandeira principal, pois é essa dimensão que me constitui como sujeito, como sujeito político, militante, ativista”. A partir de então, faz referência ao mandato do ponto de vista coletivo, já que a proposta resulta de um desejo elaborado por várias mãos ao longo de praticamente um ano. “Nós trazemos a cultura em algumas dimensões. Reivindicamos outra cultura política, pois acreditamos que é muito importante incidir promovendo o diálogo, uma comunicação radical com a sociedade, a abertura da Casa legislativa e a promoção de um mandato muito diverso”, explica Maria Marighella.
Destaca ainda a necessidade de atenção à instância da “linguagem política”, já que, a partir do seu olhar, “é feita, há muito tempo, pelos donos da grana, os donos do poder”, constituindo “uma política para os mandatários, para os cis, para os homens, para os héteros, para os brancos”. Para Maria Marighella, o “velho” modelo “faz com que uma parte da sociedade acredite que a política não é para ela”.
É neste cenário social que justifica um dos principais desafios do mandato. “Há um compromisso de uma cultura que aproxime, que dialogue, que seja capaz de fazer política com a sua própria linguagem, com corpos, com estética, com uma poética e, portanto, com uma ética em que mais pessoas possam se sentir parte. Cultura política de aproximação”, diz, sem deixar de fora o básico de, “promover política de proteção do setor cultural, seu campo e seus realizadores, trabalhadores e trabalhadores”.
“Salvador não é uma cidade rural, não é uma cidade industrial. Salvador, como a maioria das capitais, é uma cidade de terceiro setor, de serviços. Por que não investir na cultura como um eixo estratégico de desenvolvimento da cidade, seja na sua dimensão econômica, mas também na sua dimensão social e cidadã?”, questiona. “Acreditamos que Salvador cumpre um papel importante como promotora de democracia, de cidadania, de justiça social. Entendemos esse lugar da cultura na Câmara de primeiro disputar a política. Queremos trazer essa bandeira como central”, completa.
Para alcançar os que se sentem tangenciados do processo político, Maria Marighella pretende apostar em “comunicação, participação e diversidade”. A proposta é “um mandato que seja aberto”, além da “aproximação com os bairros, prestação de contas permanente” e a “formação de um gabinete diverso”.
Relação com os Pares
Na perspectiva dos mandatos de “renovação”, Maria Marighella tem urgência em afirmar a sua recusa à ideia de “antipolítica” ao comentar a forma como pretende se relacionar com os pares e com os ritos já estabelecidos na Casa legislativa de Salvador. “Eu sou absolutamente favorável à política. Fora da política é a barbárie”, enfatiza. Dos 43 assentos na Câmara Municipal, 25 serão ocupados por vereadores e vereadoras reeleitas. O mandato de Maria Marighella se insere nas 18 novas propostas que tiveram êxito na recente disputa.
“Primeiro, entendo que precisamos criar um mandato que seja promotor do desejo da sociedade de estar na política. Segundo, que a política é a arte do dissenso, não do consenso. Temos que ter uma postura política para que os diferentes se encontrem. Só podemos fazer política com diálogo e debate e não há saída que não seja o compromisso radical com o debate e o diálogo. O nosso mandato tem de ser aberto com a sociedade, convocador de outros corpos, assim como precisa ser radicalmente comprometido com o diálogo com quem já está”, explica.
Por Bahia Notícias