Maioria dos ministros do STF vota contra restrições à doação de sangue por gays
Hoje, relação sexual entre homens impede ambos de doarem por um ano. Associações apontam preconceito em parâmetros; governo diz que dados de HIV e outras infecções justificam regra.
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria provisória de votos na última sexta-feira (1º) para impedir restrições à doação de sangue por homens gays no país.
Até agora, seis dos onze ministros votaram no julgamento sobre a constitucionalidade de normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que limitam a doação de sangue por homens gays.
A votação se encerra na próxima sexta (8). Até lá, os ministros podem mudar os votos e os demais membros da Corte ainda devem votar.
Hoje, bancos de sangue rejeitam a doação de homossexuais que tenham feito sexo com outros homens nos 12 meses anteriores à coleta.
O julgamento começou em 2017, em plenário físico, e foi suspenso quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar o caso. Nesta sexta-feira, a análise foi retomada com o voto dele, porém, por meio do plenário virtual diante da pandemia do novo coronavírus.
Voto-vista
Ao apresentar o sexto voto, a que o G1 teve acesso, o ministro Gilmar Mendes afirmou ser “nítida” a discriminação das normas e que há tratamento distinto entre homens que têm relações sexuais com homens e com mulheres.
“Os primeiros [homens gays] são inaptos à doação de sangue, ainda que adotem medidas de precaução, como o uso de preservativos, enquanto os últimos têm uma presunção de habilitação, ainda que adotem comportamentos de risco, como fazer sexo anal sem proteção”, diz o ministro.
Segundo Gilmar Mendes, em meio à epidemia da Covid-19, “a anulação de impedimentos inconstitucionais tem o potencial de salvar vidas, sobretudo numa época em que as doações de sangue caíram e os hospitais enfrentam escassez crítica, à medida que as pessoas ficam em casa e as pulsações são canceladas por causa da pandemia de coronavírus”.
O ministro destacou também julgamentos recentes do Supremo relacionados à criminalização da homofobia e transfobia, ao casamento gay e ao uso do nome social, quando foi preciso que a “Corte interviesse para garantir direitos básicos que qualquer um de nós pode exercer sem óbices”.
Gilmar Mendes frisou que o Supremo tem o dever de proteger as minorias discriminadas.
“A orientação sexual e afetiva há de ser considerada como o exercício de uma liberdade fundamental, de livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo, a qual deve ser protegida, livre de preconceito ou de qualquer outra forma de discriminação”, afirmou.
O advogado Rafael Carneiro, um dos autores da ação, comemorou o placar parcial e disse esperar que os ministros mantenham esse posicionamento. “O Supremo reafirma seu papel de protetor dos direitos fundamentais das minorias. Um sopro de solidariedade em tempos de pandemia”, afirmou.
“Essa ação foi fruto de pesquisas e diálogos com vários segmentos da sociedade e especialistas da área médica. Percebemos que a norma se baseava em premissa discriminatória e preconceituosa de que os homossexuais são grupo de risco. Arriscada é a conduta de cada um, não a orientação sexual. Todo sangue é testado por determinação legal, não há risco para a qualidade e segurança do sistema de doação de sangue”, completou.
O relator do caso, ministro relator Edson Fachin, afirmou em seu voto – apresentado anteriormente no plenário físico – que as normas atuais geram uma “discriminação injustificada” e ofendem o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade perante outros doadores.
“Orientação sexual não contamina ninguém. O preconceito, sim”, disse o relator. Também já votaram contra as normas os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux.
O voto do ministro Alexandre de Moraes foi divergente dos colegas, mas também a favor da possibilidade de homossexuais doarem sangue antes do fim do prazo de 12 meses. Ele defendeu a liberação, contanto que o material fique guardado para testes até o momento em que se verificar que não há qualquer risco de contaminação.
O Partido Socialista Brasileiro (PSB) é o autor da ação e apontou “absurdo tratamento discriminatório” por parte do poder público. O partido diz que, na prática, as normas barram “permanentemente” gays com “mínima atividade sexual”.
Nesta quinta (30), a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu que o STF rejeite a ação, ou seja, nem chegue a analisar o tema.
A Defensoria Pública da União (DPU), em contrapartida, enviou um posicionamento pedindo agilidade no julgamento diante da pandemia da Covid-19 – que reduziu o ritmo de doações e resultou na queda dos estoques de sangue no país.
Do G1